Quem nunca ouviu a famosa frase: “aquele que bate na traseira é sempre o culpado!”. Seria essa uma verdade absoluta?

De início podemos dizer que essa afirmação é equivocada, pois não se pode apontar de modo intuitivo a responsabilidade de determinado condutor em caso de acidente, isso depende muito da análise do caso concreto.


Na maioria das vezes quem colide na traseira de outro veículo será considerado o culpado, pois se presume naturalmente sua responsabilidade pela inobservância do dever de cuidado, entretanto, trata-se de presunção relativa, pois existem exceções.


O art. 29, inciso II, do Código de Trânsito Brasileiro determina: “o condutor deverá guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu e os demais veículos, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade e as condições do local, da circulação, do veículo e as condições climáticas”.


Por essa razão, o que se espera dos condutores é que mantenham uma distância segura em relação ao veículo da frente. No entanto, é perfeitamente possível identificar erros cometidos pelos condutores que sofreram a colisão, quando deixam de seguir as normas de circulação previstas no Capítulo III do CTB. Nesses casos, a responsabilidade pode recair sobre estes condutores e não mais naquele que bateu atrás.


Contudo, considerando o disposto no art. 29, inciso II, do CTB (citado acima), há a presunção relativa de culpa daquele que se choca com a traseira do veículo de outrem. Nesse sentido, é oportuna a transcrição de um trecho da ementa de uma decisão do STJ: “culpado, em linha de princípio, é o motorista que colide por trás, invertendo-se, em razão disso, o onus probandi, cabendo a ele a prova de desoneração de sua culpa” (STJ, AgRg 2003/0050745-5 no REsp 535627 / MG, Rel. Min. ARI PARGENDLER, D.J. 27/05/2008).


Justamente pelo fato de que o condutor que colide na traseira é presumidamente o causador o acidente, cabe a ele fazer prova em contrário de fato extraordinário ocorrido, como por exemplo, mudança de faixa sem a devida sinalização (art. 35 do CTB), freada repentina sem que haja motivo de segurança (art. 42 do CTB) etc.


Acerca do tema, o ilustre Arnaldo Rizzardo, preciso como sempre, em seu livro “A Reparação nos Acidentes de Trânsito” (2014, p. 334) explica: “Situação essa que ocorre com frequência principalmente nos grandes centros, quando os motoristas desenvolvem velocidade inapropriada, e são obrigados a constantes paradas em face do movimento de pedestres e da convulsão do trânsito, exigindo-se dos condutores redobrados cuidados. E quem para o seu veículo repentinamente, de inopino, no meio da pista, não pode pretender se beneficiar da presunção de quem abalroa por trás é culpado. A presunção não é absoluta, cedendo diante da comprovada imprudência do condutor que vai à frente, como, aliás, reconhece a jurisprudência (...)”.


Nesse sentido, é possível encontrar decisões judiciais com diferentes desfechos a depender da situação. Vejamos a seguir algumas possibilidades.


Diante do exposto, a presunção de culpa existe em desfavor do condutor que bate na traseira do veículo, devendo este provar o contrário a fim de que possa afastar sua responsabilidade. Não sendo exitosa, mantém-se a conclusão inicial.


Em alguns casos, o condutor do veículo que sofreu a colisão também contribuiu para que ela acontecesse, como na hipótese de uma freada brusca, capaz de surpreender o veículo que o segue. A depender do conjunto probatório, a decisão pode ser a de culpa concorrente, pois ambos deram causa para o acidente.


Existem situações em que o condutor muda repentinamente de faixa, sem indicar seu propósito de forma clara e com a devida antecedência, por meio da luz indicadora de direção de seu veículo, ou fazendo gesto convencional de braço, conforme preceitua o CTB. Em circunstâncias como essa, restando provado o erro do condutor do veículo da frente, é possível afastar a responsabilidade daquele que colidiu na traseira do veículo. Por esse motivo não se pode admitir a culpa absoluta e inequívoca, assim como foi apresentado no início do texto, é algo relativo e que depende de análise do caso concreto.


Temos ainda uma hipótese não muito rara de acontecer, chamada de “teoria do corpo neutro”. A questão é a seguinte: um veículo colide em outro que por consequência bate no da frente, e agora? Também depende de provas para que fique claro que o veículo foi projetado à frente por colisão provocada por terceiro. Diante da ausência de culpa devidamente comprovada, é possível responsabilizar diretamente aquele que provocou o engavetamento.


É importante frisar que o causador do acidente tem o dever legal de reparar o dano, como se observa no art. 927 do Código Civil: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Para tanto, é necessário ajuizar ação e apresentar as provas suficientes que sustentem a alegação.


Por fim, devemos ser cautelosos com esse tipo de afirmação, pois como demonstrado acima, existem exceções para os casos de colisão na traseira de outro veículo, com possibilidades e interpretações diversas aplicáveis a cada caso.


GLEYDSON MENDES – Bacharel em Direito. Professor de Legislação de Trânsito.

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