Ultimamente tenho notado uma presença cada vez mais constante de pessoas atuando no trânsito sem possuírem competência para tal atividade. Não me refiro à capacidade técnica de executar determinada tarefa e sim a atribuição legal para desempenhar aquela função de agente público.

De acordo com o art. 280, § 4º, do CTB, o agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via no âmbito de sua competência. Percebe-se claramente ao se observar o texto legal que o agente deve estar expressamente autorizado pela autoridade de trânsito que é o dirigente máximo do órgão ou entidade executivo integrante do sistema nacional de trânsito ou pessoa por ele expressamente credenciada.

Além disso, a Resolução nº 497/2014 do Conselho Nacional de Trânsito determina que para o exercício de sua função o agente deve estar de serviço e devidamente uniformizado conforme padrão da instituição, a autuação deve ser em flagrante, ou seja, o agente deve constatar o cometimento da irregularidade, pois não pode lavrar auto de infração por solicitação de terceiros, tendo em vista ser a lavratura do auto de infração um ato administrativo de natureza vinculada, não havendo discricionariedade quanto à sua lavratura e a viatura utilizada na fiscalização deve estar caracterizada. Todos esses preceitos legais devem ser observados, sob pena de nulidade do ato praticado.

Como se vê, todo o conjunto normativo confere ao agente da autoridade de trânsito a competência para fiscalizar e lavrar autos de infração de trânsito, bem como a aplicação de medidas administrativas, conforme previsão do art. 269 do Código de Trânsito Brasileiro, não sendo possível que terceiros se apropriem dessas atribuições, ainda que sejam funcionários públicos de outras áreas da Administração, justamente pelo que determina a legislação.

De modo contrário ao disposto na lei é possível identificar algumas situações, a exemplo dos “orientadores de trânsito”, que vêm sendo contratados por órgãos de trânsito para atuarem, dentre outras situações, dando ordens a condutores e demais usuários das vias com o intuito de ordenar o tráfego, trabalho de caráter meramente “educativo”, mas que obviamente não guarda nenhuma previsão legal, tendo em vista que as ordens que se sobrepõem aos demais sinais e regras de circulação são de competência dos agentes e não de orientadores, como se depreende da leitura do art. 89, I, do CTB.

Além do mais, na hipótese de um orientador de trânsito dar uma ordem qualquer a um condutor (que é ilegal, diga-se de passagem), qual a consequência se este não cumprir? Na verdade não é possível autuar o condutor porque o orientador não é agente credenciado, também não pode passar a informação para um agente lavrar o auto de infração porque a Resolução nº 497/2014 do CONTRAN proíbe expressamente esse tipo de procedimento, então fica por isso mesmo. Na mesma situação se a desobediência for a um agente de trânsito a infração é grave, 5 pontos no prontuário e multa de R$ 195,23 (art. 195 do CTB).

Também há casos de guardas municipais que mesmo sem convênio na forma prevista no art. 5º, VI, da Lei nº 13.022/14 (Estatuto Geral das Guardas Municipais), reforçam o contingente de fiscalizadores e/ou orientadores de trânsito, exercendo uma atribuição que não lhes pertence, mas que por vezes é imposta por algum gestor que não faz a mínima noção do que está fazendo.

Há de se considerar ainda a possibilidade do cometimento do crime de usurpação de função pública, tipificado no art. 328 do Código Penal. Esse crime ocorre quando uma pessoa atribui a si a qualidade de certo funcionário público, exercendo alguma conduta típica deste, até mesmo um funcionário público pode fazê-lo, desde pratique função de outro agente, totalmente estranho a que está ele investido, além de outras condutas ilícitas a depender do caso concreto.

Certa vez presenciei em uma cidade do interior uma situação em que um policial militar sem estar credenciado como agente da autoridade de trânsito simplesmente abordou um motociclista que não utilizava o capacete de segurança, solicitou seus documentos e sem lavrar nenhum auto de infração (até porque não poderia) removeu o veículo conduzindo-o também sem capacete, talvez em uma clara demonstração de poder, que não passa de um verdadeiro abuso desse mesmo poder que se pretendia demonstrar com aquela atitude. Ora, o motivo que impede o condutor de seguir com seu veículo, no caso a falta de capacete que é infração de trânsito (art. 244, I, do CTB), é o mesmo que impede o policial.

Sempre deixo bem claro quando escrevo sobre esse tipo de assunto que não estou aqui defendendo o infrator, pois este merece e deve ser punido por colocar em risco a segurança viária quando descumpre a legislação, mas não podemos ignorar o fato de que nas situações que levantei nesse texto o que se pretende é fazer valer a todo custo o respeito à lei simplesmente descumprindo-a, sob o escopo de evitar a banalização, a baderna, o que obviamente não se justifica. Os órgãos devem envidar esforços no sentido de garantir o fiel cumprimento da lei, para que somente depois possam de fato e de direito fazer cumpri-la.

GLEYDSON MENDES – Bacharel em Direito. Professor de Legislação de Trânsito

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