Redação,Via Certa


A autuação nessas circunstâncias é absolutamente questionável quando analisamos o contexto normativo no qual o tema está inserido.

O Código de Trânsito Brasileiro dispõe em seu art. 248 que é infração de natureza grave “transportar em veículo destinado ao transporte de passageiros carga excedente em desacordo com o estabelecido no art. 109 do CTB”. Serão registrados cinco pontos no prontuário do infrator, multa no valor de R$ 195,23 e a retenção do veículo para o transbordo como medida administrativa a ser adotada pelo agente fiscalizador.

Ao observarmos a regra constante no art. 109 do CTB, temos a seguinte determinação: “O transporte de carga em veículos destinados ao transporte de passageiros só pode ser realizado de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN”.

O Conselho Nacional de Trânsito por sua vez regulamentou esse dispositivo legal através da Resolução nº 26/1998. Contudo, a referida norma destina-se apenas a alguns tipos de veículos, conforme seu art. 1º: “O transporte de carga em veículos destinados ao transporte de passageiros, do tipo ônibus, microônibus, ou outras categorias, está autorizado desde que observadas as exigências desta Resolução, bem como os regulamentos dos respectivos poderes concedentes dos serviços”.

O mestre Julyver Modesto (CTB Digital, 2015) comenta a questão da seguinte forma:

“Apesar de a ementa da Resolução n. 26/98 ser bastante ampla, dando a entender que se trata de regra aplicável a todos os veículos de passageiros (incluindo automóveis), o fato é que tal Resolução, por força de seu artigo 1º, aplica-se apenas aos que realizam o transporte coletivo de passageiros (ônibus e microônibus)...”

Percebe-se claramente que a norma é destinada aos veículos que realizam transporte coletivo de passageiros. Inclusive, a ficha de enquadramento da infração do art. 248 do CTB que consta no Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito – Volume II (Resolução nº 561/2015 do CONTRAN), ao especificar em que hipótese se deve autuar, a legislação indica que será o “veículo de passageiro, transportando carga fora do bagageiro”, espaço este comumente encontrado em veículos de transporte coletivo.

Além do mais, a citada ficha utiliza como exemplo de descrição da situação a ser incluída pelos agentes de fiscalização no campo de observações do auto de infração a seguinte informação: “carga depositada no corredor do veículo”, espaço que obviamente não existe nos automóveis. É importante frisar que tais descrições encontradas nas fichas do manual de fiscalização não são exaustivas e sim exemplificativas, mas de certa forma acabam direcionando a finalidade da norma, contribuindo para sua interpretação.

Há de se considerar ainda as regras constantes na Resolução nº 349/2010 do CONTRAN (alterada pela Resolução nº 589/2016), que dispõe sobre o transporte eventual de cargas ou de bicicletas nos veículos classificados nas espécies automóvel, caminhonete, camioneta e utilitário. Porém, para esses casos, a infração do art. 248 do CTB ocorrerá, dentre outras hipóteses, quando da inobservância dos requisitos de transporte de cargas no tocante aos limites de comprimento, largura e altura da carga sobre o teto ou na traseira de um automóvel, a exemplo do transporte de bicicletas nesses veículos.

Convém ressaltar que uma parcela considerável de agentes fiscalizadores e de estudiosos da matéria tem defendido a ideia de que, a título de exemplo, o transporte de uma mala de viagem no banco de trás de um automóvel é infração de trânsito pelo fato de impor risco à segurança. Respeitamos imensamente os posicionamentos contrários, mas parece se tratar de uma interpretação extensiva da norma de modo desfavorável ao condutor. Sendo assim, se há dúvida quanto à legalidade do ato administrativo, o mais coerente é não autuar.

Por essa razão, transportar bagagem ou objetos menores no banco traseiro de um veículo é um fato atípico, não configurando nenhum ilícito administrativo de forma expressa na legislação de trânsito. Ao Agente da Autoridade de Trânsito cabe tão somente liberar o veículo em respeito ao princípio da reserva legal.

GLEYDSON MENDES – Bacharel em Direito. Professor de Legislação de Trânsito

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