Como morre um carro


Todos os anos, estradas do país recebem milhões de veículos que saem tinindo dos pátios das montadoras, circulam por revendas quando já têm milhares de quilômetros rodados e chegam aos desmanches anos depois para virar sucata –

Se carros fossem humanos, existiria um abismo estatístico quilométrico entre os que nascem e os que morrem. No ano passado, as estradas do país receberam 3,6 milhões de novos automóveis e comerciais leves aumento de 5,9% em relação a 2011. No mesmo período, apenas 538 mil de igual característica deixaram de circular, por estar imprestáveis. Eram 1,5% da frota circulante.

A expansão da frota de veículos zero-quilômetro, embalada pelo poder aquisitivo do brasileiro e por incentivos do governo, deve forçar a aposentadoria dos malconservados e dos que saem amarrotados de acidentes de trânsito. O que gera um desafio: o que fazer com os carangos fumarentos, ruidosos e bebedores de gasolina que não deveriam mais sair da garagem?

Não há solução mágica. Integrante do Centro de Estudos Automotivos (CEA) e professor de Gestão da Qualidade da Fundação Getulio Vargas (FGV), Enio Feijó avisa que, quanto mais dinheiro no bolso, menor será a vida útil do carro. Mesmo que não consiga tirar um flamante da revenda, o interessado irá optar por um seminovo recente, de dois a três anos, jamais com uma década de rodagem.

- A vida de um carro está ligada ao poder de compra, e não a sua durabilidade - diz Feijó.

Com 30 anos de experiência na Ford, o professor da FGV testemunhou situações extremas. Nos Estados Unidos, viu bólidos tinindo de tão novos. Na Venezuela, admirou-se com calhambeques de 15 e 20 anos desfilando nas ruas graças ao combustível barato, o que favorece a motorização em massa.

No Brasil, a frota rejuvenesce, em média, um mês a cada ano que passa. Em 2012, era de oito anos e sete meses. Outra constatação é de que mais pessoas estão ao volante. Em 2012, havia cinco habitantes por veículo, contra 8,2 há 10 anos.

Japão cobra imposto sobre veículos velhos

Os condutores estreantes, é óbvio, preferem os últimos lançamentos, mesmo à custa de dívidas e juros altos. O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, destaca que "a grande preocupação” das montadoras é ampliar a reciclagem das peças e dos componentes dos já muito usados.

- Chegamos a um índice de 90% de aproveitamento - estima Luiz Moan, executivo da GM 

O grau de reciclagem de automóveis aproxima-se do nível europeu, mas precisa avançar. A Anfavea conversa com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, para destravar 45 mil veículos apreendidos por falta de pagamento de multas ou impostos. Situação idêntica ocorre em outros Estados. A maioria foi abandonada pelos proprietários, apodrece nos pátios em vez de voltar à linha de montagem na forma de matéria-prima.

Luiz Moan entende que o Brasil poderia acelerar a renovação da frota, mas adotando as cautelas necessárias para evitar bolhas de consumo - quando as pessoas gastam além do que podem. Primeiramente, estimulando a troca dos carros com "idade bastante avançada”. Lembra que o Japão aplica impostos crescentes - o IPVA de lá - justamente sobre os antigos.

- No Japão, veículos acima de quatro ou cinco anos já são praticamente inviáveis - observa.

Conselheiro do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), Elias Mufarej diz que carros mais velhos se concentram na periferia das cidades. Dos que estão circulando, 16% têm de 16 anos a 20 anos. Para Mufarej, a renovação só é possível com incentivos fiscais.

O país tem outras urgências, como expandir e modernizar o transporte público. Automóveis novos contaminam menos, são mais seguros e silenciosos, mas seguirão provocando congestionamentos. Em menos de 20 anos, a previsão da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) é de que 65% dos brasileiros se locomoverão em veículo particular. Com a malha viária atual, é o anúncio do caos.

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