Existe uma discussão acerca do tema no que diz respeito à competência sobre essa fiscalização. Parte das informações desse texto consta no livro “Curso de Legislação de Trânsito” (Ed. Juspodivm), em que divido a autoria com o mestre Leandro Macedo.

Os agentes de trânsito do estado e do município, além das guardas municipais (quando existir convênio nos termos do art. 5º, VI, da Lei nº 13.022/14) estão a serviço da Administração Pública exercendo o Poder de Polícia no trânsito. Podemos definir esse poder como sendo qualquer intervenção ou restrição imposta pelo Estado nas atividades, direitos ou interesses individuais a fim de beneficiar o interesse coletivo. Sobre Poder de Polícia, o Código Tributário Nacional estabelece:

“Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”

Da definição acima podemos extrair as seguintes características:

1) É atividade da administração pública, que não deve ser confundido com o poder de polícia de segurança pública, pois enquanto o primeiro atua sobre direito, interesse ou liberdade, o segundo atua sobre pessoas coibindo a ocorrência de infrações penais, ora de forma preventiva ora de forma repressiva.

2) A atuação do poder de polícia consiste tanto em uma obrigação de “fazer” quanto de “não fazer” por parte do particular, pois regula a prática de ato ou abstenção de fato, conforme expresso acima.

3) De acordo com o parágrafo único transcrito acima, deve-se observar os limites da lei aplicável. Portanto, o poder de polícia de trânsito tem seus limites previstos na própria legislação de trânsito.

4) Ainda quanto ao parágrafo único, a regra na atuação do poder de polícia quando priva o particular de bens ou de direitos é a instauração do devido processo legal, a exemplo das penalidades de trânsito que só podem ser aplicadas ao término do processo administrativo de trânsito, respeitando o contraditório e a ampla defesa.

5) A discricionariedade do poder de polícia previsto acima aparece na atividade de fiscalização, quando da escolha do veículo a ser fiscalizado. Temos também uma atuação discricionária, segundo um juízo de valor do agente autuador, na escolha do dispositivo que melhor se afeiçoa a infração cometida, que é a correta tipificação da autuação. Cabe observar que não pode o agente de trânsito deixar de autuar o condutor infrator, pois a autuação é ato administrativo de natureza vinculada, assim como determina os manuais de fiscalização (Resolução nº 371/2010, 497/2014 e 561/2015, todas do CONTRAN).

Quanto às formas de atuação do poder polícia, temos a previsão do art. 269, § 1º, do CTB: “A ordem, o consentimento, a fiscalização, as medidas administrativas e coercitivas adotadas pelas autoridades de trânsito e seus agentes terão por objetivo prioritário a proteção à vida e à incolumidade física da pessoa”.

Sendo assim, podemos enumerar da seguinte forma:
- Ordem de polícia;
- Consentimento de polícia;
- Fiscalização de polícia (aqui se observa a presença de agentes e guardas municipais que exercem tal função que não se confunde com o poder de polícia em sentido estrito, típico da atividade policial, como por exemplo, a Polícia Militar);
- Medidas administrativas; e
- Medidas coercitivas (no CTB encontramos com a expressão “penalidade”, exclusiva da autoridade de trânsito).

Há quem defenda a ideia de que o agente municipal ou estadual (DETRAN) não pode fazer “blitz” no trânsito. Dentre outros argumentos, a justificativa baseia-se no Decreto-Lei nº 667/1969, que em seu art. 3º prevê como competência da Polícia Militar:

“a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos;”

Respeitosamente discordo do entendimento de que somente a Polícia Militar poderia realizar essa fiscalização específica, pois o Poder de Polícia Administrativa de Trânsito está devidamente regulamentado e pode ser exercido pelos órgãos dentro dos limites previstos na lei.

Um tema controverso é a fiscalização dos artigos 209 e 210 do CTB, ambos de competência dos órgãos ou entidades de trânsito estadual, municipal e rodoviário, conforme se observa no Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito - Vol. I (Resolução nº 371/2010 do CONTRAN). Na ficha de enquadramento do art. 210 existe de forma expressa o termo “bloqueio realizado por policial”, o que causa muita confusão e interpretações distintas. Em relação ao tema, Julyver Modesto (CTB Digital, 2016) esclarece:

“A distinção que proponho para estas duas situações parte das funções atribuídas aos agentes de trânsito, conforme o Anexo I: no artigo 209, o bloqueio é a interrupção do tráfego de veículos em decorrência da OPERAÇÃO de trânsito (monitoramento técnico da via, com a ordenação dos fluxos viários, que compreende desvios e interdições temporárias); enquanto que o artigo 210 contempla a imobilização forçada dos veículos, para o exercício da FISCALIZAÇÃO de trânsito, que é justamente o controle do cumprimento da legislação de trânsito, por meio do poder de POLÍCIA administrativa de trânsito (daí o adjetivo de ‘bloqueio policial’); portanto, para configurar a infração do artigo 210, não há a necessidade de que seja um bloqueio realizado pela Polícia (Militar, Civil, Federal ou Rodoviária), mas sim pelo agente incumbido da fiscalização de trânsito.”

Sendo assim, é perfeitamente possível que o agente de trânsito do estado ou mesmo do município faça esse tipo de fiscalização, no exercício do poder de polícia, como se observa no art. 24, VI, do CTB: “executar a fiscalização de trânsito em vias terrestres, edificações de uso público e edificações privadas de uso coletivo, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis e as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do poder de polícia de trânsito, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar, exercendo iguais atribuições no âmbito de edificações privadas de uso coletivo, somente para infrações de uso de vagas reservadas em estacionamentos”.

Mesmo as infrações que não são de sua competência podem ser fiscalizadas quando existir o convênio na forma do art. 25 do Código de Trânsito. Portanto, aquele que transpor bloqueio realizado por agente de trânsito do município, a título de exemplo, estará cometendo a infração do art. 210 do CTB.

Por fim, vale salientar que vários outros órgãos e agências da administração pública também exercem o poder de polícia no âmbito de suas atribuições, como por exemplo, a polícia de trânsito que abordamos nesse texto. São várias as formas e finalidades, mas todas com funções delimitadas por lei, agindo em nome da Administração Pública e a serviço da coletividade.
 

Por GLEYDSON MENDES – Bacharel em Direito. Pós-graduando em Direito de Trânsito. Professor de Legislação de Trânsito.

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