Da acusação de fraude em licitação ao risco fiscal que pode atingir os médicos




Embora o embate sobre quem deveria prestar serviços médicos à Secretaria Municipal de Natal pareça superado, as consequências da disputa com empresas de terceirização saíram do controle. Agora, a atenção se volta à própria Coopmed, e órgãos de controle estudam abrir uma nova ofensiva capaz de atingir diretamente os médicos associados – não por questões contratuais, mas por eventuais irregularidades fiscais, previdenciárias e tributárias

O Ministério Público do Estado já encaminhou para a Justiça do Trabalho notícia de fato para apurar denúncias contra a Cooperativa. A partir de documentos contábeis, processos judiciais e regras internas da cooperativa, cresce a percepção de que a estrutura da Coopmed pode ser interpretada como uma engenharia fiscal que, se questionada por Receita Federal, Ministério Público do Trabalho ou INSS, não só exporia a cooperativa, mas também cada médico associado.

Procurada, a Coopmed afirmou que “é devidamente fiscalizada pelos órgãos reguladores competentes e mantém total transparência em suas ações”. Também acrescentou que “o jornalista Dinarte Assunção, assim como qualquer cidadão, pode consultar livremente as informações disponíveis junto à Receita Federal. Quanto às opiniões e interpretações publicadas, ficam a critério dele e do grupo de comunicação ao qual está vinculado”.
Um modelo que mistura PF e PJ

Na superfície, a Coopmed opera dentro do modelo cooperativista, em que os profissionais não são empregados, mas sócios que recebem sobras proporcionais à sua produção. A ficha de inscrição da entidade exige que o médico se registre como autônomo, pagando ISS e contribuindo ao INSS. Mas na prática a estrutura se revela mais complexa. Um processo trabalhista recente mostrou que, no momento de receber, os cooperados ficam com apenas dois por cento em pessoa física, enquanto noventa e oito por cento são pagos por meio de pessoa jurídica. Isso significa que, para participar da cooperativa, o médico precisa abrir um CNPJ e receber quase toda a sua remuneração emitindo nota fiscal, como se fosse uma clínica prestadora de serviços.

Essa engenharia aparece também no balanço patrimonial. A demonstração de resultados de 2024, registrada na Junta Comercial, mostra uma receita bruta de cerca de noventa e seis milhões de reais. Desse montante, apenas pouco mais de doze mil reais aparecem como recolhimento de PIS, e outras taxas e ISS são residuais. O dado mais expressivo está no resultado final: sobras líquidas de vinte vírgula oito milhões de reais, equivalentes a mais de vinte por cento da receita. Para uma cooperativa genuína, sobras costumam ser reduzidas, porque a arrecadação é repassada quase integralmente aos cooperados como despesas operacionais. Na Coopmed, porém, a sobra funciona como caixa de distribuição isenta de imposto de renda.

A diferença salta aos olhos quando comparada com outras formas de organização. Uma empresa médica no regime de lucro presumido recolheria entre doze e quinze por cento da receita em tributos. Outras cooperativas de saúde giram entre dois e cinco por cento. Na Coopmed, a carga efetiva não chega a um por cento. O balanço ainda revela a contratação de serviços advocatícios no valor de um vírgula dois milhão de reais apenas para “recuperação de tributos”, o que sugere uma atuação permanente na fronteira da litigância fiscal.
Risco Aos Médicos

Especialistas dividem opiniões sobre o alcance dessas práticas. Para defensores da entidade, a cooperativa apenas usufrui dos benefícios legais do cooperativismo, que de fato preveem tributação diferenciada e isenção sobre sobras. Para críticos, no entanto, o arranjo descaracteriza o espírito da lei. Se médicos trabalham com carga horária fixa, respondem a escalas e têm remuneração estável, a lógica cooperativista se desfaz. Nesse cenário, os repasses que hoje aparecem como sobras ou como notas fiscais de pessoa jurídica podem ser reclassificados como salários disfarçados, o que implicaria recolhimento retroativo de INSS, autuações de imposto de renda e até responsabilização criminal por fraude tributária ou previdenciária.

O risco direto é que os médicos não estariam blindados. Como beneficiários dos repasses, podem ser chamados a responder individualmente. Isso significa que profissionais que hoje veem na Coopmed uma forma de garantir trabalho estável em hospitais e unidades de saúde podem se tornar alvo de execuções fiscais pessoais.

A ofensiva dos órgãos de controle começou no campo administrativo, com o Tribunal de Contas questionando documentos apresentados em uma licitação milionária. Mas os desdobramentos já apontam para além do episódio específico. A combinação de indícios de fraude documental em certames públicos com um balanço que mostra tributos irrisórios e sobras exorbitantes projeta um novo capítulo para a Coopmed.




Importante:
a) Comentários ofensivos, preconceituosos ou que incitem violência não serão aceitos;
b) Comentários que não digam respeito ao tema da postagem poderão ser excluídos;
c) O comentário não representa a opinião do blog.

A responsabilidade é do autor da mensagem.

É necessário colocar seu NOME e E-MAIL ao fazer um comentário.

Postagem Anterior Próxima Postagem

نموذج الاتصال