Vejo muita semelhança entre a implantação do Código de Trânsito Brasileiro com a publicação da Lei 12.587, de 3 de janeiro de 2012, que instituiu a Política Nacional de Mobilidade. Publicada a lei, uma nova agitação ocorreu no meio jornalístico...
Assim que entrou em vigor a Lei 9.503, em 22 de janeiro de 1998, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, o Brasil passou a assistir a um verdadeiro tsunami nas edições dos jornais, em busca de informações. Dia e noite, técnicos de expressão nacional, e até mesmo local, eram procurados pelas reportagens para prestar esclarecimentos sobre isso e aquilo, entre eles as autoridades públicas.
Mas, afinal por que tal burburinho na imprensa? À primeira vista, era como se o país nunca tivesse tido uma legislação de trânsito. Era como se não tivéssemos leis de trânsito até então e que tudo, finalmente, estava sendo exigido com todo o rigor a partir daquela data fatídica.
Sempre que uma lei de grande impacto social vem a público é isso o que acontece. Mas, tsunamis causam um pandemônio, perdem energia e acabam. Aquele movimento diário do jornalismo brasileiro arrefeceu depois de três meses e a imprensa passou a buscar outros terremotos, apenas trazendo aqui e ali, como sempre, alguma matéria menos expressiva do assunto.
Mas, se na imprensa o assunto esfriou, o mesmo não aconteceu no mundo técnico e da administração pública. Muitos treinamentos de “municipalização de trânsito” foram criados no país afora, incorporando centenas de jovens técnicos às novas estruturas de governos municipais voltadas para a gestão do trânsito. Cinco anos depois já haviam quase mil cidades aparelhadas minimamente para administrar o que a Lei 9503 exigia.
Hoje, 15 anos depois, já estamos na quarta ou quinta legislatura municipal e já não há prefeitos que desconheçam o tema e suas obrigações, aquelas centenas de jovens técnicos já se contam aos milhares e outros tantos foram encontrando trabalho no setor privado fornecedor de sistemas e equipamentos. Até mesmo a área de direito se organizou frente às novas questões geradas pelas lacunas da lei ou pela atuação dinâmica dos organismos de trânsito.
Por que falo da implantação do Código de Trânsito Brasileiro? Porque vejo muita semelhança com a publicação da Lei 12.587, de 3 de janeiro de 2012, que instituiu a Política Nacional de Mobilidade. Publicada a lei, uma nova agitação ocorreu no meio jornalístico e, da mesma maneira que 15 anos antes, muitas matérias e entrevistas fervilharam no rádio, na televisão e nos jornais diários. Como antes, parecia que agora sim, agora as cidades iriam ficar melhores para se viver e as responsabilidades dos gestores e suas consequências já estavam finalmente estabelecidas.
O impulso da imprensa é salutar, pois dá publicidade à lei, esclarece dúvidas, traz informações de direitos e deveres para o dia a dia das pessoas e isso é bom, mas não é suficiente.Será assim com todas as leis de grande impacto social. Mas, leis não se implantam por gravidade e, também, não é a mídia que as materializam. Por que o CTB deu certo e como fazer para a Lei de Mobilidade também dar certo?
Há uma diferença básica entre os dois processos para dar concretude às respectivas leis. No caso do CTB, a lei obrigavao município a compor uma estrutura de trânsito, caso contrário ele não faria parte do Sistema Nacional de Trânsito e não poderia arrecadar valores de multa. A simples criação do órgão de trânsito dava materialidade à lei. Por outro lado, as diretrizes contidas na leide mobilidade requerem a participação obrigatória de vários setores da administração municipal – transporte, trânsito, normas de uso do solo, habitação, vias públicas, dentre outras, e, ao contrário do CTB, não impõe a necessidade da criação de um órgão específico, tornando o seu processo de implantação, a meu ver, mais difícil.
Sem dúvida que vamos construir a implantação da política nacional de mobilidade com programas de convencimento, capacitação e com a elaboração de planos de mobilidade, tal como aconteceucom o CTB, e a Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades dá conta que vai fazer isso. Mas, passados quase um ano da publicação da Lei 12.587, é possível começar a fazer e tomar providências já para que aconteçam os princípios preconizados na Lei.
Já há muitos planos municipais em andamento ou previstos nas áreas de transporte, trânsito, habilitação e etc. É partindo deles, reorientando-os segundo as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade, e ajudando os prefeitos a criarem estruturas de gestão que unam todos os atores públicos e privados que atuam no município é que poderemos ter sucesso.
A primeira mudança que podemos (e devemos) fazer, portanto, é a de mentalidade: para cada nova decisão, para cada novo plano, para cada novo projeto, para cada nova ação na cidade, por menor que ele seja, perguntar a nós mesmos: isso que estou propondo, isto que estou fazendo, está alinhado com lei de mobilidade?
Luiz Carlos Mantovani Néspoli
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