A insana guerra no trânsito
Tadeu era um jovem apaixonado por guerras e um amante das estratégias militares. Acompanhava pela televisão, rádio, jornais e internet todos os movimentos e histórias das principais guerras da atualidade. Devorou livros de história, decorou textos e depoimentos dos mais diversos militares nas grandes guerras que ocorreram nos últimos anos. Acompanhava atentamente o desfecho do conflito na Coreia do Norte. Torce para que os Estados Unidos ataquem o país oriental. “Vão utilizar mísseis guiados, drones e os porta aviões”, imaginava o jovem, viajando com sua imaginação nas estratégias que poderiam ser empregadas neste conflito.
Aprendeu as técnicas utilizadas pelos americanos na Guerra do Golfo e como expulsaram os iraquianos do Kuwait. Vibrou com o material utilizado e as técnicas de ataque americana quando os Estados Unidos invadiram o Iraque. “Nossa, os caras são bons” – deliciava o jovem com as histórias da guerra. Aprendeu como os aliados invadiram a Alemanha nazista e como venceram a Segunda Guerra. Para ele a Segunda Grande Guerra foi o marco em estratégias de combate. Era fã incondicional das batalhas aéreas, memoráveis naquele tempo. Sabia tudo sobre Luftwafe, sobre a RAF e o ataque a Londres, onde os alemães perderam os combates aéreos com os ingleses.
Como todo jovem apaixonado por guerras e estratégias militares, Tadeu tinha um sonho, dolorosamente desfeito por um problema pulmonar. Ele não conseguiu servir nas Forças Armadas Brasileiras. Foi reprovado no exame médico. Para ele, foi a maior decepção de sua vida. Mas Tadeu se resignou. Continuou sua vida, na batalha diária em busca de emprego. Conseguiu um trabalho em uma empresa de entrega de encomendas rápidas. Tornou-se um motoboy. E entre uma entrega e outra, Tadeu sempre se lembrava das histórias das impressionantes batalhas, nas grandes guerras e nas estratégias de combate. Parecia transportar para o asfalto, as táticas militares de infiltração, ataque e defesa. Montado em sua motocicleta o jovem viajava em pensamentos, se transportava para um mundo paralelo, onde a guerra era travada nas ruas, cada milímetro de espaço tinha que ser conquistado com garra, força e determinação. Cada veículo que ele ultrapassava era um soldado abatido. Cada ônibus e caminhão era um obstáculo vencido. Ele vibrava como se tivesse vencido a guerra quando entregava a encomenda a tempo.
O jovem soldado do asfalto, como se intitulava, acreditava ser um expert em táticas de guerra nas ruas. Sabia como poucos vencer seus obstáculos. Em pouco tempo acreditava que poderia ser um general nas batalhas diárias no trânsito. Nada vencia Tadeu, nem o trânsito congestionado, nem as madames que fechavam seu caminho ou tampouco os pedestres que cruzavam sua frente, nos corredores. Ele vencia a todos. Para Tadeu, cada obstáculo vencido, era um soldado inimigo abatido em batalha. E desta forma, em clima de guerra, Tadeu vivia sua vida. Deixava sua imaginação trabalhar, em meio ao trânsito, carros, pedestres e caminhões. Para ele, cada entrega a ser realizada era uma estratégia diferente de combate. E assim vivia sua rotina de vida como motoboy.
Certo dia, o gerente da empresa em que trabalhava pediu para Tadeu entregar uma encomenda urgente. Mais urgente que a usual. “Eu confio em você, o único que sei que vai entregar a encomenda a tempo”, afirmava o gerente. Aquelas palavras pareciam encher de orgulho o jovem motociclista. Uma missão urgente. Como nas histórias de guerras. Uma incursão rápida em meio a terreno inimigo. Só de imaginar a cena Tadeu vibrava em seu interior. Para o bom militar, ordem dada é ordem cumprida. E lá se foi o soldado do asfalto em sua missão especial. Ele sabia que o endereço de entrega, naquele horário, era difícil. Trânsito congestionado, ruas estreitas e intenso movimento de pedestres e automóveis. Como vencer seus inimigos? Com tática, imaginava Tadeu.
Em meio a ultrapassagens em locais estreitos, imaginava abater seus inimigos. “Menos um”, se deliciava em cada passagem, em cada veículo vencido. O tempo passava, e Tadeu preso ao congestionamento tentava vencer seus inimigos. A preocupação aumentava com o passar dos minutos. A encomenda tinha que ser entregue a tempo. A batalha de hoje estava difícil. Sentia acuado pelos inimigos em cada momento que ficava preso no trânsito. Mas Tadeu não se entregava. Como bom militar, era ótimo motociclista. Vencia aos poucos seus obstáculos. Mas também aumentava sua preocupação com o tempo expirando. Tinha que ser mais arrojado. Como em táticas de guerra, aumentou sua agressividade, trafegando pelas calçadas e buzinando para pedestres nas faixas. Pedestres ora, meros soldados do inimigo, prontos para me abaterem em batalha, imaginava Tadeu.
Faltavam poucos minutos para o final do prazo de entrega. Os inimigos se apinhavam em sua frente, como que formando um pelotão de resistência. E Tadeu os atacava com vigor. Mas as guerras não são só feitas de vitórias. E Tadeu sabia disto. Para vencer esta batalha tinha que ser arrojado. Extremo. E foi neste extremo que Tadeu se esqueceu de se defender. Em meio a uma ultrapassagem no cruzamento, a poucos metros do destino final, ignorando o sinal vermelho, Tadeu encontrou um ônibus. O impacto da colisão foi fulminante. Com a pancada, o corpo de Tadeu parou sobre a roda dianteira do coletivo. Aquele pelotão de soldados, como ele mesmo considerava um ônibus, o havia abatido em combate. Sua motocicleta, completamente destruída. E Tadeu, preso embaixo do ônibus, sentia seus últimos segundos de vida. ‘Não acredito que fui pego”, dizia para si mesmo. Via aquele mundo de pessoas se amontoando ao seu redor. Não conseguia entender o que diziam. Aos poucos tudo foi escurecendo. E Tadeu havia caído em combate. Aquele jovem que imaginava um dia ser soldado, travar batalhas reais em campo inimigo, sentiu que a guerra que travava nas ruas era diferente. Parecia ser mais insana que as outras guerras contadas nos livros de história. Aos poucos fechou seus olhos. A dor já não mais incomodava. E Tadeu havia tombado. Em um último suspiro, um fio de lágrima escorria em seu rosto. Lá estava o jovem, motociclista, sonhador…soldado… morto no insano trânsito da cidade. E Tadeu sentiu que na guerra no trânsito, não existem vencedores. Todos no final, são perdedores.
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