Por Rubens Ramos - Especialista em trânsito e mobilidade urbana e professor da UFRN
Via Certa Natal
Via Certa Natal
Há muita ansiedade e alvoroço em torno da perspectiva de para onde vai o hub da LATAM. Aqui uma análise onde mostro por "A+B" que o hub será em terras potiguares.
As figuras abaixo ilustram o texto.
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a) o mapa das aerovias que fazem o corredor EUR/SAM, o corredor pelo qual voam todos os vôos Europa - América do Sul (SAM é de South America). |
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c) um comparativo de SBSG (NAT/SGA) com alguns dos principais aeroportos do mundo e do Brasil. |
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d) a estatística 2013 dos vôos no corredor EUR/SAM. |
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A) AS AEROVIAS - guarde essa referência UN873
Do mesmo modo que existem rodovias, pelas quais há alternativas para alguém viajar de uma cidade a outra, também há aerovias definidas, pelas quais os aviões comerciais têm que voar.
Há um corredor aéreo determinado pela ICAO, a entidade internacional de rotas aéreas, que liga a Europa à America do Sul, chamado EUR/SAM.
Nesse corredor existem 4 aerovias, duas unidirecionais ("mão única"), UN741 que vem da Europa para Fortaleza (FOR), UN866 que vai de Mossoró (MSS) para a Europa, e duas aerovias bidirecionais ("mão dupla" ou como uma rodovia duplicada), a UN873 que liga Natal até a Escandinávia, cruzando a Europa, e a UN857 que vem da Europa e passa perto de Recife (REC).
A posição de Natal nesse corredor, na origem mesmo da UN873, dá a nós uma vantagem de ser 2% mais perto da Europa que a rota de FOR e 4% mais perto que de REC. Pode parecer pouco, mas a margem de lucro das empresas aéreas é da ordem de 2% sobre vendas, ou seja, a receita é superior aos custos totais em apenas 2% (algo como, se o custo é 100, o faturamento é 102).
Como o combustível representa cerca de 30 a 40% dos custos totais, tomando pelo menor impacto (30%), localizar o hub em NAT/SBSG (SBSG é o código internacional do aeroporto de São Gonçalo), dá uma vantagem de custo que corresponde um lucro de 0,6% sobre vendas em relação a FOR e 1,2% em relação a REC.
Escolher FOR ou REC é, em outras palavras, perder dinheiro.
Escolher NAT, por seu turno, é escolher vantagem de custo estrutural.
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B) AS VARIÁVEIS DE DECISÃO
Assim como em imóveis, os principais fatores de decisão de um hub são location, location, location (localização, localização, localização). Em um imóvel temos a localização na cidade, a localização dentro do bairro, a localização na rua (sol, sombra, posição).
Para o hub, são (1) a localização em relação às aerovias, na qual NAT ganha de todos, como mostrei acima; (2) a localização urbana em termos de estar ou não restringido pelo entorno, onde também NAT está livre, enquanto FOR e REC estão cercados por área urbanizada e construída, sem perspectiva de expansão do terreno; e (3) a localização em termos de acesso, a qual estamos em ligeira desvantagem, mas acessos se constroem e vamos em rápida recuperação. Ainda, se fizermos uma via expressa pedagiada com recursos 100% privados no eixo Mor-Gouveia > Aeroporto, tal como em Seul, como sugeri meses atrás, NAT se torna imbatível nos três fatores locacionais principais.
Além desses três há um quarto fator fundamental, o tamanho do sítio aeroportuário, pois é ele, e não o tamanho atual do terminal, que determina a possibilidade de capacidade. Do mesmo modo que em um imóvel, para o comprador o tamanho do terreno é mais importante que o tamanho da casa.
NAT tem hoje 15 km 2, contra 5 de FOR e 4 de REC. As tais áreas das bases aéreas de FOR e NAT que "Dilma teria prometido" a cearenses e pernambucanos são da ordem de 0,5 km2, insignificante.
O sítio aeroportuário de NAT é 3 vezes maior que FOR ou REC, é maior mesmo que o de Guarulhos em São Paulo (14 km2).
Além disso, NATAL tem espaço no seu entorno em São Gonçalo para ter uma área de expansão futura que pode se igualar a Dubai, enquanto Guarulhos não tem mais para onde crescer devido ao estrangulamento urbano, assim como FOR e REC. Sugeri à Prefeitura de São Gonçalo que coloque em Lei que a área atual do entorno de SBSG seja reservada para expansão futura do sítio aeroportuário e assim evitar o que houve em Guarulhos, a ocupação desordenada do entorno do aeroporto que inviabiliza hoje sua expansão. Esse problema aconteceu em FOR, REC e também no Augusto Severo.
Além dessas variáveis, há uma fundamental no contexto brasileiro, a da relação institucional, ou seja, com quem a empresa aérea privada vai negociar. NAT é o único 100% privado, enquanto FOR e REC são 100% públicos.
A única ingerência política em NAT está nos acessos ao aeroporto.
Em FOR e REC a ingerência política é de 100%, do acesso ao estacionamento ao terminal, tudo tem que ser barganhado com governantes, que mudam a cada dois, quatro anos.
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C) A COMPARAÇÃO INTERNACIONAL
Como citei acima, NAT (SBSG) tem a dimensão (15 km2) maior que Guarulhos. Está, assim, no grupo dos maiores aeroportos do Brasil.
Na verdade, NAT (SBSG) tem o porte dos maiores aeroportos internacionais do mundo.
Atlanta (ATL), o mais movimentado do planeta, é um pouco maior, com 19 km2. Heathrow (LHR), o mais movimentado da Europa e terceiro do mundo, é um pouco menor, tem 12 km2. E Dubai (DXB), com 34 km2, é o sexto.
O mais movimentado aeroporto do Brasil, Guarulhos em São Paulo (GRU) tem 14 km2, menor que NAT.
NAT nasceu, portanto, com porte para ser um grande player internacional.
E NAT tem algo essencial, a posição no corredor EUR/SAM na mesma condição estratégica que tem Dubai nas rotas EUR/ASIA.
Dubai, nos anos 1980, era mero ponto de reabastecimento das empresas que faziam a rota EUR/ASIA. Entretanto, nos anos 1990, os aviões de longo alcance tornaram esse reabastecimento desnecessário, Dubai decaiu, mas isso acabou por encarecer as passagens. A partir dos anos 2000, o custo de combustível se tornou crítico para todas empresas aéreas e Dubai saiu de mero "posto de QAV" para se tornar em uma década o sexto mais movimentado aeroporto do planeta, com 70 milhões de passageiros.
Nesse contexto, a meu ver, NAT pode se tornar um novo DXB.
E Natal pode se tornar também uma Dubai da América do Sul.
Dubai que era local de passagem, se tornou hub e depois hub e destino.
Natal tem o mesmo potencial de Dubai e pode se tornar o aeroporto mais movimentado da América do Sul e o maior destino do Nordeste.
Aliás, essa é minha previsão. Em 10 anos NAT se tornará maior que Guarulhos.
Quanto ao turismo, se vamos aproveitar e, assim como Dubai, não ser apenas ponto de passagem mas também destino, vai depender, em muito, dos Governos locais fazerem sua parte em infraestrutura de estradas, saneamento, água. Como energia e comunicações estão privatizadas, nisso o mercado fará sua parte, mas sanear, duplicar estradas, assegurar água, depende de governos.
Assim como depende de governo uma ação fundamental - a adoção do inglês como segunda língua em todas escolas do RN.
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D) ITEM ADICIONAL DE ANÁLISE 1 - A MÃO INVISÍVEL
A escolha de em que aerovia voar é de cada empresa, livre decisão empresarial. No corredor aéreo EUR/SAM a mão invisível do mercado levou a que de cada 10 vôos nesse corredor, 5 passam por NAT (hoje por cima) e 2 passam por cima de Mossoró! Em resumo, a mão invisível faz com que 70% do mercado escolha o RN para trafegar, a UN873, em vez de FOR ou REC.
Minha avaliação é que com o hub, essa proporção vai aumentar ainda mais e teremos 80% do tráfego EUR/SAM usando a UN873.
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E) ITEM ADICIONAL DE ANÁLISE 2 - O TERTIUS
Um elemento político-estratégico também existe, mesmo em caráter de mercado. Em estratégia política existe com frequência a situação de dois fortes a disputar algo, mas sem que haja uma prevalência clara de um. Nesses casos, via de regra há um terceiro, tertius em latim, que embora mais fraco que os outros dois, acaba assumindo o poder para manter o equilíbrio.
Hora, no caso atual, mesmo que os aspectos empresariais citados acima fossem ignorados, a escolha de FOR iria desagradar o mercado de REC, e vice-versa. Cada um deles acharia que seu principal adversário foi fortalecido.
NAT é um evidente tertius nesse jogo político, pois embora para FOR e REC o hub vir para NAT seja uma perda, entretanto, como se diz, podem se consolar pois "poderia ser pior" se o outro adversário vencesse a disputa.
Penso que essa variável apareceu na análise da LATAM, sobretudo depois dos movimentos políticos de Ceará e Pernambuco junto ao Governo Federal.
Para Dilma, por exemplo, se FOR ganhar os pernambucanos vão atribuir a derrota a Dilma. Se REC ganhar, serão os cearenses a culpar Dilma. Mas se NAT ganhar, é porque era a melhor decisão econômica, o aeroporto é privado, Dilma não teve nada a ver com isso.
A situação política atual de Dilma, assim, também favorece a NAT na decisão.
Pelo exposto, e sendo agora a TAM uma empresa de controle de empresários privados do Chile, o país de maior cultura de economia de mercado da América do Sul, não resta a menor dúvida que a lógica privada vai prevalecer, a de maximizar lucros e reduzir riscos. NAT será escolhida.
E mesmo que fosse em termo políticos, NAT tem a vantagem de ser o Tertius e seria a escolhida.
O HUB é nosso!
Esse caso do hub da LATAM mostra aos governantes locais um exemplo emblemático - é mais promissor buscar atrair empreendedores privados que se ocupar em pensar projetos para buscar dinheiro em Brasília. Temos que criar as condições para atrair empresas
NOTA TÉCNICA.
O cálculo da vantagem de custo apresentado é para a rota internacional EUR/SAM como apresentado na tabela abaixo nos comentários. Para essa rotas internacionais NAT é superior em 100% dos casos. Já as porcentagens totais de vantagem de custo variam com a cidade de origem, por exemplo Santiago, Buenos Aires, São Paulo, Manaus, mas, via de regra, NAT é a melhor combinação para mais de 95% dos casos, com variação da ordem de 1 a 2% de ganho de custo total de combustível, se combinado os dois trechos. Por exemplo, GRU é mais próximo de REC que de NAT, mas na análise combinada da rota completa com origem em GRU, NAT é mais vantajoso que REC em 1% para todos destinos europeus.
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