As mortes no trânsito: onde estamos falhando?

O Código de Trânsito acaba de completar 15 anos de vigência e verifica-se que o quadro de acidentes não se modificou positivamente. Primeiro, porque a lei vem revelando falhas e lacunas imensas. Segundo, porque as medidas complementares, como investimento em infraestrutura viária, educação e fiscalização de trânsito são ineficientes. Ou seja, para o Estado, trânsito não é prioridade. E a lei, por si só, não opera milagres.

O aspecto legal tem no CTB uma norma enciclopédica que trouxe overdoses de direitos e obrigações quase impossíveis de serem implementadas. A norma restou banalizada. A gama de infrações de trânsito é enorme, e os infratores, quando autuados, têm à disposição amplo direito de defesa em processos administrativos que se arrastam por anos. Boa parte das penalidades sequer é aplicada por falta de estrutura dos órgãos de trânsito para dar celeridade aos processos. E as penas restritivas do direito de dirigir muitas vezes deixam de ser aplicadas devido à prescrição. Os Detrans estimam que cerca de 40% dos veículos em circulação estão em situação irregular. Incluem-se aí veículos não licenciados e condutores com direito de dirigir suspenso. O sistema falho acaba empurrando as pessoas para uma situação de clandestinidade. Os maus condutores não veem motivos para respeitar as normas de trânsito, apostando na letargia do Estado, e os bons acabam se contagiando com os maus exemplos.

Em termos de mobilidade, o país vive uma contradição. De um lado, o governo federal desenvolve programas de estímulo ao transporte coletivo, com a participação social na definição das políticas locais e regionais, e propaga a necessidade do transporte sustentável, com a disseminação de veículos não motorizados. De outro, estimula a aquisição de veículos automotores para o transporte individual, através da isenção de impostos e subsídios ao financiamento, em função da dependência da indústria automobilística para garantir emprego e gerar receita. Enquanto isso, falta espaço para ciclovias e passeios de pedestres. As pessoas acabam abandonando gradativamente o transporte coletivo, e as vias públicas ficam cada vez mais conflagradas.

O fenômeno da acidentalidade, portanto, deve levar em conta essa realidade. Precisamos repensar esse quadro de inoperância do Estado, incluindo seus mecanismos repressores, especialmente na área do trânsito. Apesar do excesso e do rigor das normas, as mortes continuam acontecendo em escala crescente. Nem a Lei Seca sensibiliza os infratores contumazes. O aparato do Estado foi criado para punir, quando deveria ser concebido para alterar comportamentos e assim salvar vidas. 

Acabou mais um feriadão de Carnaval. O retorno deveria ser só de alegria, mas estamos contando nossos mortos.

 SÉRGIO LUIZ PEROTTO

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